Patrícia, sobre Fla após caso Bruno: 'Silas deu o estalo. Faltava o carinho'
Em entrevista, presidente do Flamengo fala como prisão do goleiro mexeu com o elenco do Fla e banca o projeto de Zico por três anos na diretoria
No dia 4 de janeiro de 2010, Patrícia Amorim chegou à sala da presidência do Flamengo pela primeira vez. Procurou o computador. Não achou. Viu paredes rachadas, retrato quase fidedigno de um clube que, nove meses depois do título brasileiro, permanece em constante erupção. Em meio às emoções naturais por assumir um cargo tão importante, surgiu o primeiro pensamento: “Por onde começar?”.A resposta foi difícil. Houve atitudes práticas na sede para diminuir o caos. Nove toneladas de entulhos recolhidas, banheiros, parquinhos e piscinas reformados. Sócios felizes, mas torcedores nem tanto. Para consumo externo, o Flamengo respira futebol.
A aposta na manutenção da equipe campeã nacional (“Do mais humilde funcionário ao vice de futebol”, ressalta Patrícia) não deu certo. Os problemas se multiplicaram dentro de campo e, principalmente, fora dele.
Patricia dá nota 7,5 para os nove meses de sua administração (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
- Futebol é a base de tudo. E não foram só os resultados que atrapalharam. Toda mudança traz desgaste, e, além disso, os episódios policiais aumentaram esse universo de corrosão enorme. A retomada de autoestima só vai começar agora – admitiu.
A acusação do envolvimento do goleiro e capitão Bruno no desaparecimento e assassinato da jovem Eliza Samudio foi o auge da depressão rubro-negra. Patrícia relatou detalhes do encontro perturbador que teve com o goleiro no Fórum de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira. E diz que a chegada do novo treinador tem ajudado no processo de recuperação do elenco rubro-negro.
- Acho que com o Silas deu esse estalo. Está todo mundo precisando se abraçar. O time tem elenco, qualidade técnica, bagagem... Faltava o carinho amigo. E aos poucos melhoramos isso passando filmes de motivação, brincando bastante.
A pressão sobre o maior ídolo rubro-negro e hoje diretor de futebol também incomoda a presidente rubro-negra, que manda um aviso.
- Banco o Zico. Tenho confiança, é um cara do bem.
'Sentar nessa cadeira não é fácil. Acordo e durmo
com o peso de uma nação nas costas', diz Patricia
Amorim (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
A presidente do clube mais popular do país garante que está longe do estilo “fanfarrão” de outros dirigentes. Dificilmente dá declarações por telefone. Prefere, de tempos em tempos, agendar entrevistas longas para explanar melhor seus planos e opiniões. Foram mais de 2h30m de conversa na sala da presidência na noite de sexta-feira, dia 17 de setembro. Ao fim, resumiu:com o peso de uma nação nas costas', diz Patricia
Amorim (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
- Estou há muito tempo sem ir ao terapeuta. Essa entrevista acabou servindo como uma terapia para mim.
Confira a primeira parte:
GLOBOESPORTE.COM: Há pouco mais de nove meses no cargo, dá para resumir a rotina da presidente do Flamengo?
PATRÍCIA AMORIM: Trabalho de segunda a domingo. Se não estou na Gávea, estou a serviço do Flamengo. Minha vida é essa e eu estou adorando. Essa é a parte boa. Chego na Gávea às 8h, 10h. Ando no clube, vou lá ver se tem sabonete no banheiro, se a piscina não está verde, se o parquinho está certo. Nunca vi um presidente tão presente como eu. Vou a todas as reuniões de conselho. Muitos desses ex-presidentes que falam muito não vêm aqui discutir Flamengo. Eu me cobro muito. Se daqui a dois anos notar que o Flamengo não está legal, vou para minha casa e volto a ajudar. Optei por servir ao Flamengo. Já fui atleta, funcionária, conselheira, agora sou presidente.
Então, seu trabalho de cuidado, a preocupação com os funcionários tem semelhanças como a de uma síndica de um grande condomínio?Particularmente, sempre quis cuidar das instalações do clube. Eu cresci aqui, frequento a Gávea, e meus filhos também. A maioria dos presidentes não vem ao clube e por isso não tem o menor carinho. Não se importam se o banheiro está sujo porque eles não usam. Isso é muito sério. Quando estou de baixo-astral ando no clube porque vejo as pessoas falando. No dia em que os meninos (do futebol) vieram à piscina, as senhoras gritaram: “O clube melhorou muito, só não melhoraram os jogadores.” Tentaram me agradar, mas acabaram me derrubando (risos).
Dá para dimensionar a pressão do cargo?Sentar nessa cadeira não é fácil. Acordo e durmo com o peso de uma nação nas costas. Por isso, respeito todos os que passaram aqui. É uma responsabilidade monstra. Leio muitos modelos que deram certo para aprender. Tem um livro do Obama que se chama “Audácia e esperança”. E pensava muito isso. Que era uma audácia e uma esperança eu me tornar presidente do Flamengo. Tem uma parte do livro que diz: "as pessoas só pensam no que destrói. E aqui é assim".
Por quê?
Ninguém é obrigado a gostar de mim, me aguentar, mas o Flamengo tem que estar acima disso. Isso é o que nos une. Que a crítica e a pancada não sobressaiam ao que tem de bom aqui. Foi o que sempre fiz. Saí escorraçada daqui no início de 2009 (quando era vice de esportes olímpicos) e não falei de ninguém. Não atrapalhei nada, não criei tumulto. Não vou dormir com ódio. O bom dirigente é aquele que não atrapalha. Quem quer ser maior do que o Flamengo não pode estar aqui. Quem manda aqui é a nação.
Mas, por mais que ocorram melhorias no clube, o torcedor de uma maneira geral só se importa com o time de futebol...Lógico que a torcida quer saber de título. Mas também tenho que atender a quem me elegeu, até por reconhecimento. Lógico que preciso atender a torcida, até porque é o nosso maior cliente, consumidor, e por isso criaremos a ouvidoria. E o sócio porque ele vota, é o dono do patrimônio do clube. Eles têm que estar satisfeitos.
Há também a preocupação com o fim das obras no CT?Estamos trabalhando tudo no CT. Quando cheguei aqui, não tínhamos nem a planta. O escritório de arquitetos não recebia, e as plantas estavam confiscadas. A partir daí, tive que tirar as 38 licenças. Depois, o estudo topográfico. Não podemos arrancar nenhuma árvore. Todas dos 130 mil metros quadrados são catalogadas. Tenho o cuidado de começar a coisa direito para não ter a obra embargada. Já conseguimos dinheiro para começar o módulo dez, que são os alojamentos.
Mas também houve muitos relatos de indisciplina, como caso de jogador andando pelado pelas dependências da concentração. Como lidar com essa baderna?Não tinha limite. Não gosto de falar mal, mas uma coisa necessária é investir na base, o que estamos fazendo. A chegada do Zico deu uma melhorada louca na coisa da disciplina. O que pode, o que não pode. O CT fica um pouco distante. Tenho notícias, mas não vou lá todos os dias. É um trabalho a longo prazo, que não vai aparecer no começo.
De zero a dez, qual a nota para a sua gestão nestes nove meses?Eu me dou 7,5. O dez é só se o Flamengo for campeão. Acho que estou acima da média.
Mas nas ruas existe essa aprovação?A grande maioria me aborda e fala: “você vai limpar” o Flamengo. A torcida tem essa ideia de limpeza. A leitura que as pessoas fazem é da moralização. Acho bom. Ainda bem que passo isso. Porque resultado vai sair. Na verdade, no Campeonato Brasileiro, um ganha e 19 perdem (risos), mas temos outros objetivos. O Inter não ganhou o Brasileiro e levou a Libertadores. Não pode é ficar em 16º. Isso não pode.
Qual foi o pedido mais inusitado?A paixão é uma coisa incrível. Às vezes, o treinador tem um jogo e já pedem: “Manda o Silas embora.” Aí falam mal de jogador, perguntam: “Cadê o Ronaldinho Gaúcho?”. Quando saio, tenho que estar disposta. Cinema nem vou mais porque apagam as luzes e as pessoas berram. Quando janto, percebo que tem alguém falando para que eu escute. Isso quando não cantam o hino de outro clube. A maior arma que tenho é o bom humor.
'Perder Adriano é difícil. 'Segura, dois, três marcadores', afirmou Patrícia Amorim (Foto: Agência Globo)
É complicado o torcedor entender como o time campeão brasileiro está tão mal no Brasileiro. Há alguma conclusão?Estamos em outro momento. Fomos campeões e alguns não estão mais aqui. Perder o Adriano é difícil. Não é apenas pela qualidade do jogador. Ele é um cara que segura dois, três marcadores. Quebra o time adversário. E não cai. Apanha, apanha e não cai. Não tem substituto à altura. Perdemos o Bruno, um capitão. Ele brigava pelo grupo, sempre vinha à minha sala. Depois, fica o Lomba tentando se afirmar. No início, com um olhar numa mistura de ansiedade com constrangimento.
Mas dá para notar evolução?Acho que com o Silas deu esse estalo. Está todo mundo precisando se abraçar. O time tem elenco, qualidade técnica, bagagem... Faltava o carinho amigo. E aos poucos melhoramos isso passando filmes de motivação, brincando bastante.
Imagina o que passa na cabeça do Willians, que dormia no quarto com o Bruno"
O Bruno chegou a conversar com você nesse encontro no Fórum?Conversei rapidamente porque ele estava passando mal. Dei um beijo, uma força, mas parecia que o Bruno não estava escutando porque tinha tomado remédio.
'Bruno sempre foi ídolo. O que aconteceu quem tem
que responder é ele. Jamais pode dizer que o clube
o abandonou', diz Patrícia (Foto: Agência Estado)
que responder é ele. Jamais pode dizer que o clube
o abandonou', diz Patrícia (Foto: Agência Estado)
O advogado do Bruno, Ércio Quaresma, tem feito pesadas acusações ao Flamengo, dizendo que o goleiro foi abandonado e que há dívidas pendentes.
O advogado quer jogar a culpa no Flamengo. O clube é vítima, o que aconteceu fora não podemos abraçar como nosso. A gente tem todo o carinho e sabe da importância do jogador na conquista do Brasileiro e do pentatri. Isso está na história e ninguém tira dele. Bruno sempre foi ídolo, o que aconteceu quem tem que responder é ele. Jamais pode dizer que o clube abandonou.
Qual a situação contratual dele?
O contrato está suspenso. Não dá para pagar por prestação de serviços que não existe. O advogado deu um show quando veio aqui na Gávea. Dizia que queriam acabar com o Bruno, mas ele não ia deixar. Quem quer acabar com o Bruno aqui? O clube não o abandonou. Bruno chegou ao status que teve pela contribuição do Flamengo.
Mesmo se for inocentado, ele não joga mais no Flamengo?Estou aqui para defender a instituição, e este caso trouxe um desgaste muito grande. Se ele for considerado inocente e sair, joga no Flamengo? Não, hoje o nosso goleiro é o Lomba, a gente já virou essa página e seguiu em frente. Se ele for inocentado, será carinhosamente recebido. Ele e qualquer pessoa que deu contribuição para a história do clube. É diferente de representar e defender a camisa da instituição.
O clube adotou uma postura de não falar sobre o caso. Por quê?Acho que nossa postura foi muito certa. Temos que falar de futebol, de esporte. Conseguimos tirar nosso nome disso. O caso Bruno trouxe prejuízos, e não foram pequenos. Tem cicatriz. Não dá para jogar aqui, né? Isso aqui não é brincadeira. Queremos grandes resultados, grandes atletas e vender credibilidade. Uma história como essa mancha, não é fácil. Não é só a torcida adversária berrar, debochar. Há orientação para os jogadores não falarem no caso.
Além do problema com o Bruno, há uma forte crítica ao período que o Flamengo ficou sem um vice-presidente no futebol (Patrícia acumulou a função) após a saída do Marcos Braz. Foi um erro da sua gestão?Ficou sem comando por algum tempo para provar a todos que não tinha intenção de derrubar ninguém. Queria que desse certo. Mas não deu e tive que tomar atitude. Parei e pensei em montar um modelo profissional. Trabalhei quietinha com o Zico. Era uma conversa que estava acontecendo e em determinado momento não tinha esperança. Mas no dia que estava vendo um dos jogos da final do basquete contra o Brasília, o Zico ligou e fui para lá para conversar. Eu tremia. Mas pensei: ele não vai me chamar para dizer não. Foi muito legal, muito bacana.
Patrícia diz que Zico trabalha intensamente no Fla. E conta como se emocionou quando ele a procurou. 'Ligou e fui conversar. Tremia. Mas pensei: não vai me chamar para dizer não' (Foto: Cezar Loureiro / Globoesporte)
Uma das acusações que circulam no clube sugere que houve uma espécie de terceirização das divisões de base para beneficiar o fundo de investimentos MFD, que arrendou o CFZ recentemente.Nós dispensamos um número grande de jogadores por questão técnica. Alguns do CFZ foram aproveitados porque eram bons. Tenho diretor executivo da base, que é o Noval, filho de um grande benemérito do clube. Quando escuto, pergunto. Mas acho que há um certo exagero.
Como explicar tantos problemas?Você pode imaginar uma mulher presidente? E ainda vindo de esporte olímpico? Pode imaginar que todos eles tentaram trazer o Zico e não conseguiram? Pode imaginar que vou receber o clube com 300 milhões de reais de passivo, 70 milhões de verba antecipada, e fui desafiada que não conseguiria sequer pagar o salário de janeiro e agora estamos com salários e impostos em dia sem nenhuma antecipação? Só consigo imaginar o clube ter uma crise quando não está pagando. Lógico que, se o resultado não vier, é outro tipo de crise. Mas jogador com salário em dia não tem desconforto, tem que pensar em jogar. Essa é a estrutura profissional.
E como você tem notado o Zico diante de toda essa avalanche?O Zico está assustado. Primeiro porque pergunta: "Quem é fulano que mandou email?" Falo para ele não perder tempo, tocar o barco e trabalhar. Nem acho que isso seja importante. Se estiver embasado, vamos discutir. O que mais tem é gente para criar comissão para isso e para aquilo. As pessoas têm que se preocupar é em preservar a instituição.
O projeto do Zico tem três anos. Você dá garantias de que será cumprido?Banco o Zico. Tenho confiança, é um cara do bem. Se ele escuta o filho, a mulher ou quem quer que seja, tem todo o direito. É comovente ver a dedicação dele. Às vezes fico emocionada. Perdem tempo com essa pressão.
Nesta terça-feira, não perca a segunda parte da entrevista.
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