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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Preparador físico revela lado 'trambiqueiro' e mestre-cuca de Vanderlei Luxemburgo

Certa vez, Vanderlei Luxemburgo vendeu para um jogador um carro que "andava com três rodas no chão e uma no alto, todo desalinhado". Entre os amigos, o técnico do Flamengo é conhecido por seu "frango à Luxemburgo", tiras de carne branca com tempero que são "espetaculares, uma delícia". Esta faceta de mestre-cuca levemente "trambiqueiro" mostra o quanto o treinador e seu mais fiel-escudeiro, o preparador físico Antônio Mello, são próximos.
Carioca nascido em Vila Isabel, criado em Campo Grande, torcedor do Salgueiro, pai de Vanessa, casado com Marilaide e vivendo o futebol em boa parte dos seus 63 anos de vida, Mello está ao lado de Vanderlei Luxemburgo desde 1997. Uma parceria que rendeu 13 títulos dos 38 troféus que o preparador ergueu na carreira. Além disso, uma amizade entre as famílias e um autêntico casamento profissional com o atual homem forte do futebol rubro-negro.
Na última terça-feira, a reportagem do UOL Esporte bateu um papo descontraído com o preparador físico no CT Ninho do Urubu. A data marcava a reapresentação dos atletas após a classificação para a decisão da Taça Guanabara e Mello já demonstrava ansiedade para o jogo contra o Boavista, domingo, às 16h, no Engenhão. Mais uma final na trajetória da vitoriosa dupla. Convidado para falar sobre a parceria, Mello contou detalhes curiosos da amizade com Luxemburgo fora do futebol. Confira as melhores partes:
  • Vinicius Castro/ UOL Esporte
    Ao UOL Esporte, Mello contou histórias curiosas da parceria vitoriosa com o amigo Luxemburgo
  • Alexandre Vidal/ Fla Imagem
    Vanderlei Luxemburgo, Antônio Mello e Antônio Lopes Júnior (auxiliar técnico) no Ninho do Urubu
  • Vinicius Castro/ UOL Esporte
    Antônio Mello vê um Vanderlei entusiasmado com o trabalho no Fla e já sente o frio na barriga da final

UOL Esporte – Como começou a sua trajetória no futebol?
Antônio Mello - “Entrei no futebol por acaso. Dava aula em uma faculdade de educação física em Campo Grande e fui convidado pelo diretor, que tinha sido eleito o presidente do clube, para trabalhar como preparador físico. Nem queria ouvir a conversa, mas quando voltei de um curso em Volta Redonda ele me pegou pelo braço e disse que iria começar no outro dia. Quando cheguei, os jogadores não tinham roupa para treinar. Souberam que eu seria o novo preparador e colocaram todas as mudas de roupa para lavar (risos). Comecei assim no futebol. Fiquei seis anos no Campo Grande. Ganhei a Segunda Divisão e a Taça de Prata”.
UOL Esporte – E as bombas que você enfrentou quando trabalhou no Oriente?
Antônio Mello - “Passei pela seleção brasileira júnior de 1977 a 1983. Depois fui trabalhar com o Parreira nos Emirados Árabes. Após um tempo acabei indo sozinho para a seleção do Iraque. Levei minha esposa para Bagdá, só que estava na época da guerra entre Irã e Iraque. Os bombardeios eram frequentes. Em uma noite foram muitos mísseis disparados que caíram perto da minha casa. Na época, morava próximo ao Rio Tigre e a cama chegava a subir com os mísseis (risos). Minha mulher ficou desesperada. O José Luiz Runco (médico do Flamengo) trabalhava no Rashid e na seleção. Foi uma pessoa importante me ajudando na época. Fomos jantar no dia seguinte em um restaurante todo despedaçado e a minha mulher perguntava o que tinha acontecido. Respondíamos que estava em reforma para não assustar. Eles bombardearam Bagdá mais uma noite e entramos no primeiro avião para o Brasil no dia seguinte”.
UOL Esporte – Mesmo voltando, as odisséias com bombas e guerras não terminaram...
Antônio Mello – “Verdade. Quando voltei encontrei o Joel Santana e começamos a trabalhar juntos. Em 1991, estávamos na Arábia Saudita quando estourou a Guerra do Golfo. Ficamos presos em Rihad sem poder sair, bombas caindo, casa fechada por causa do perigo de arma química. Em cinco dias o príncipe nos colocou em dois carros com as malas para voltarmos ao Brasil. Fui no carro da frente com um motorista paquistanês. Eram 12 km de estrada no meio do deserto e percebi que o carro estava “escrevendo muito” na areia. Quando olhei para o lado o motorista estava dormindo debruçado ao volante. Atravessei por cima do cara, dava soco para ele acordar, xingava, e nada. Fui para o volante e levei até a próxima cidade (risos)”.
UOL Esporte – E como começou a parceria com o Vanderlei Luxemburgo?
Antônio Mello – “Trabalhamos rapidamente na Ponte Preta, em 1992, e só fomos voltar a trabalhar mesmo no início de 1997, no Santos. Foram muitos títulos até aqui, muitas histórias, e uma relação bem saudável. Um casamento perfeito. Discutimos para organizar os treinamentos da semana, mas sempre de forma proveitosa. O Vanderlei não trabalha sozinho, delega funções e escuta todo mundo. Ele deixa o pessoal trabalhar e quer que todos apresentem o que está sendo feito”.
UOL Esporte – Qual a história mais curiosa com o Vanderlei em todos esses anos de convívio?
Antônio Mello – “Foi logo quando trabalhamos juntos na Ponte Preta. Na época tinha um salário excelente. Eram 20 mil dólares no início e mais seis mil por mês. Só tinha um carro e falei com ele que precisava resolver a questão. O Vanderlei tinha uma agência de automóveis e me convidou para ir até lá. Dos 20 mil dólares já larguei oito mil na mão dele. Mas minha mulher andou com o carro e não gostou. Ele reclamou e ofereceu outro por mais quatro mil dólares. Quer dizer, sobraram apenas oito mil na minha mão (risos). Era muito engraçado. Ele comprava umas kombis velhas e reformava. Passava um material para tirar a ferrugem, mas tudo por cima, não tirava a parte velha não. Quando molhava saía tudo e os feirantes reclamavam (risos). O Vanderlei vendia carros, mas não fazia o serviço direito. Ajeitava daqui, dali, e nada. Ele vendeu um carro para um jogador que hoje é técnico e não posso falar o nome. O carro andava com três rodas no chão e uma no alto (risos). Ele comprava carro batido, cortava, e encaixava as peças. O carro saía todo desalinhado com o cara achando que estava com um carrão em mãos”.
  • VIPCOMM
    Segundo Mello, além de vendedor de carros sem talento, Luxa é um cozinheiro de mão cheia
UOL Esporte – E como é a relação de vocês no dia a dia quando não estão trabalhando no Fla?
Antônio Mello - Falamos em futebol até nas folgas. As famílias são muito amigas desde o começo da vida profissional. Sempre frequentamos a residência do outro. Ele vai lá pra casa e faz um "frango à Luxemburgo" espetacular. Ele tem uma faca pequena e corta o frango sem perder o formato. Acho que ele fez um curso de anatomia de aves, só ele consegue fazer isso. Depois, recheia aquilo tudo com um tempero e corta em fatias, uma delícia. Também saímos para tomar uma cerveja, vinho, conversar, mas o papo sempre acaba em futebol”.
UOL Esporte – Muita gente diz que a passagem de vocês pelo Real Madrid em 2005 foi um fracasso. O que aconteceu naquele momento?
Antônio Mello - “Ao contrário do que muita gente diz, foi uma passagem bacana. Ganhamos os sete primeiros jogos e encostamos no Barcelona. No segundo ano fomos bem e brigamos com o Barcelona pelo primeiro lugar. Deixamos o clube colado no time catalão e classificado para a segunda fase da Liga dos Campeões. O que aconteceu foi uma discordância do Vanderlei com a presidência. Não tinha como renovar o time, o que ele queria. Tínhamos jogadores desgastados, atletas com uma vida social muito intensa, compromissos de marketing, e o Vanderlei não tinha como mudar esse quadro. Estávamos em um clube de exibição e não de competição. O Beckham tinha que fazer fotos na Inglaterra de manhã, o Zidane precisava resolver coisas na França, outros jogadores tinham compromissos. Não era o time que queríamos trabalhar e o Real Madrid não podia mandar embora esses jogadores. Então voltamos ao Brasil”.
UOL Esporte – O Vanderlei parece um menino dirigindo o Flamengo. O que aconteceu?
Antônio Mello - “Parece que ele deu uma revitalizada mesmo. Está em um momento de felicidade extrema. Ele é flamenguista e encontra um apoio enorme dentro do clube, principalmente da presidente, que tem ideias modernas. Isso tudo está deixando-o empolgado. O comprometimento da direção com os salários, que estão em dia, também o anima. O Flamengo está cumprindo com as coisas e os jogadores demonstram a felicidade de estarem conosco. O Vanderlei quer fazer no Flamengo o mesmo trabalho que realizou no Cruzeiro, em 2003, por isso remontou o time e começou tudo do início”.
UOL Esporte – Qual o requisito primordial para o preparador físico?
Antônio Mello – “O preparador físico e o treinador precisam conhecer o vestiário, tem de “sentir o cheiro” do vestiário. No olhar você já sabe tudo. Isso é fundamental no futebol. Chego ao clube e vou a todos os setores ver como estão as coisas, dou uma geral mesmo para sentir o clima. É assim que funciona em uma semana como essa de decisão. Você sente aquele frio na barriga, a insegurança. Isso faz parte do ser humano”.
UOL Esporte – Quais os títulos que você destaca na carreira?
Antônio Mello – “Todos. São 38 títulos, só com o Vanderlei foram 13. Só não conto o Brasileiro pelo Vasco, em 2000. Saí do clube em novembro e o Vasco ganhou em dezembro. Participei de mais de 70% da campanha e não cheguei ao final, a mesma coisa na Copa Mercosul. São muitos títulos, tenho a certeza de que sou o preparador físico com o maior número de conquistas no país”.


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