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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Welinton: exemplo de superação para realizar o sonho de vencer na carreira


Pai do zagueiro do Flamengo conta que, entre outras coisas, já vendeu passarinhos para conseguir mandar o filho para os treinos


Por Fred HuberRio Bonito, RJ


Welinton zagueiro do FlamengoWelinton ao lado de seu pai, Antônio, e do
passarinho (Foto: Fred Huber / Globoesporte.com)
O torcedor do Flamengo que vê o zagueiro Welinton em campo não faz ideia de quanta força de vontade ele precisou ter para se tornar profissional. Nascido em Rio Bonito, a cerca de 80km do Rio de Janeiro, ele sempre sofreu com a dificuldade de locomoção para manter vivo o sonho da maioria das crianças brasileiras. A distância ficava ainda maior quando esbarrava na fragilidade financeira da família, o que muitas vezes colocou o atleta em situações complicadas.
A força que Welinton encontrou em casa fez com que não desistisse. Antônio, pai do zagueiro, precisava driblar a dificuldade financeira com muita criatividade para o filho conseguir chegar aos treinos. Umas das alternativas encontradas na época era vender passarinhos.
- Eu ia para o mato e armava a armadilha para pegar os passarinhos. Alguns valiam R$ 50, mas eu chegava a vender por R$ 15. Vendi muitos. Ele precisava de R$ 25 por dia para ir e voltar. Se perdesse dez centavos, ele ficava a pé. Ônibus não vende fiado. Algumas vezes eu conseguia um vale. Já passamos muitas dificuldades, mas sempre dávamos um jeitinho. Eu deixava de fazer as coisas para não faltar o dinheiro para ele ir treinar - contou Antônio.
Depois de um início de altos de baixos no profissional, Welinton, de 21 anos, vive o seu melhor momento no time. A chegada de Vanderlei Luxemburgo tem a ver com esta boa fase, já que o técnico manteve o zagueiro no time titular após o bom desempenho contra o Atlético-GO. O jogador disse que quando entra em campo sempre lembra dos apertos que passou para chegar onde está.
- Meu estilo de jogar tem muito a ver com tudo o que eu passei. Antes do último jogo, o Vanderlei até falou para nós que a bola é como se fosse um prato de comida. Dentro da minha história, faz muito sentido. Me sacrifiquei muito. Para mim, ganhar uma dividida que pode valer três pontos significa muito.
Welinton zagueiro do FlamengoA família reunida em casa, em Rio Bonito
(Foto: Fred Huber / Globoesporte.com)
Atualmente, Welinton tem a chance de retribuir tudo que seus familiares já fizeram por ele. O jogador fez uma reforma onde moram seus pais e seu irmão, no mesmo lugar onde ele foi criado.
- Hoje ele me ajuda muito. A reforma da minha casa foi toda ele quem fez. Não tem um salário alto, mas consegue nos ajudar. A minha casa era bem diferente há uns cinco anos. Era televisãozinha preto e branco que fazia muito chiado. Já tive que fazer cabana dentro de casa por causa de infiltrações - disse o pai do atleta.
Antes de começar nas categorias de base do Fla, Welinton jogou no pré-mirim do Vasco. Mas, como só conseguia ir aos treinos duas vezes por semana, acabou dispensado. Ele passou a jogar em um time de Rio Bonito e teve a chance de participar de uma peneira do Rubro-Negro. Na época, era lateral-direito. Passou e começou a treinar na Mengolândia, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Para chegar, acordava 4h da manhã e viajava sozinho. Era necessário pegar uma van e um ônibus. Um percurso de duas horas e meia. Quando tinha jogo em Curicica, era necessário pegar um ônibus extra.
- Eu ficava muito preocupada. Chorava sempre quando ele saía de casa - disse Rosa, a mãe do atleta.
No início, estudava de manhã quando os treinos eram na parte da tarde. Welinton ainda tinha que dar um jeito de vencer o obstáculo de ser menor de idade e não poder viajar sozinho para o Rio. Até este problema Seu Antônio conseguiu resolver.
- Eu tinha um Chevette velho e todo muito me encarnava. Fazia um fumaceiro danado. O dia que tinha treino à tarde, ele ia para o colégio de manhã e eu levava no ponto do ônibus depois. Como ele era menor de idade, o motorista às vezes não deixava ele viajar sozinho. Depois, quebrou o galho e disse que se tivesse algum problema dizia que era o tio dele. Diziam que eu era doido, um pai desnaturado.
O tempo passou e o zagueiro teve que estudar à noite para não perder o ano por causa das faltas. O sacrifício físico só aumentou, mas nem assim o desânimo foi forte o suficiente para fazê-lo esmorecer.
- A escola acabava 22h, aí descia o morro andando para casa e ia dormir. Acordava 4h. Muitas vezes levantava atrasado e tinha que sair correndo junto com o meu pai para não perder a van. Quando tinha algum imprevisto, porque muitas vezes as vans já chegavam lotadas, tinha que tentar pegar uma carona - contou o zagueiro.
Welinton zagueiro do FlamengoWelinton ainda bebê ao lado do pai
(Foto: Fred Huber / Globoesporte.com)
Quando começou a se destacar, Welinton recebeu o esperado convite para morar no alojamento do clube, em São Conrado. O problema agora era ter dinheiro para conseguir voltar para casa e visitar os pais.
Na época que ainda estava em Rio Bonito, era difícil até brincar como uma criança normal.
- O pessoal brincava em um lugar aqui perto, soltava pipa, jogava gude... mas não dava, eu não tinha força. Era muito cansaço.
Quando já estava no juvenil, Welinton foi morar no Ninho do Urubu. Até chegar ao profissional e ter a chance de estrear com a camisa rubro-negra, em 2009, com 19 anos, foi um pulo. Apesar de ter o status de ser jogador de Seleção, já que havia sido convocado para a sub-20, o início do zagueiro foi de críticas. Era só mais um obstáculo para ele.
- Não fui muito bem, mas sabia do meu potencial. Acho que era o momento, todo jogador passa por isso. De repente a pessoa não está tão preparada quanto pensava e acaba levando muita porrada. Sabia que um dia minha hora ia chegar. Escutei muitas críticas. Diziam que eu não sabia sair jogando... mas quem está no Flamengo não é por acaso. Vou tentar melhorar cada dia mais. Acho que posso aprender com o Vanderlei, que é um técnico diferenciado.
O mau momento ficou para trás, e Welinton já sente os efeitos de ser titular do Flamengo.
- Faz muita diferença. O reconhecimento muda muito, fica muito mais conhecido do que só estar no grupo principal. Quando não está jogando, só alguns reconhecem. Muda muito, até porque o Flamengo é muito popular.
Escutei muitas críticas. Diziam que eu não sabia sair jogando... mas quem está no Flamengo não é por acaso. Vou tentar melhorar cada dia mais"
Welinton, zagueiro do Flamengo
Um dos "professores" de Welinton foi o zagueiro Fábio Luciano, um "pai" dentro de campo.
- Aprendi muito com o Fábio (Luciano), que é um cara fora de série. Dentro de campo ele foi como um pai também. Orienta, explica com paciência. Sabe mostrar o caminho certo. Era um líder diferenciado.
Fora de campo, uma das amizades mais forte foi com Adriano. Ele só tem palavras de elogios para comentar a relação com o Imperador. Os dois eram tão próximos que foram juntos para a Itália nas últimas férias, quando o atacante se transferiu para o Roma.
- Adriano é como se fosse um irmão para mim. É um cara que tem tudo e vive como se não tivesse nada. Se alguém precisar e ele confiar, é o primeiro a estender a mão. Está ali para o que der e vier. As férias que passei com ele na Sardenha foram as melhores. Tentou nos deixar (ele e Everton Silva) à vontade o tempo todo, ficou sempre por perto. Vi um mundo que achei que nunca ia ver. Na apresentação ao Roma, disseram que era melhor ele ir sem nós. Aí ele disse que não ia e nós fomos com ele. Eu e meu irmão jogávamos com ele no videogame - recordou.
No próximo domingo, Welinton provavelmente terá a oportunidade de ser titular em um clássico com o Vasco. Apesar disso, o pai do jogador ainda não sabe se irá ao Engenhão. A ideia é evitar que algum comentário maldoso sobre o filho o descontrole, como já aconteceu anteriormente.
- Eu não gosto muito de ir não. Estou pensando seriamente se vou ou não no clássico. Gosto de ver em casa, tranquilo. Não gosto de ir ao estádio porque sou "pilha fraca". Se alguém falar alguma besteira, aí acabou. No ano passado, discuti com um torcedor na grade e o segurança teve que me segurar. Aí o Welinton disse que não ia deixar mais eu ir. Agora melhorei um pouquinho e ele liberou de novo – disse Antônio.
Os 'causos' de superação de Welinton contados pelo pai Antônio:
1 - Gesso tirado no chuveiro para não perder o treino
Welinton zagueiro do FlamengoWelinton já foi campeão em cima do Flamengo
(Foto: Fred Huber / Globoesporte.com)
"Uma vez ele chegou em casa com o braço machucado. Tinha um jogo em Rio Bonito com a turma e ele não queria jogar, aí disseram que ele não queria porque estava treinando no Flamengo. Acabou jogando. Em um lance, um cara deu um tranco e ele caiu. Resultado: quebrou a clavícula. Levei para o hospital e o médico disse que tinha uma luxação, que precisava ficar 20 dias em repouso. Colocou o gesso, mas ele precisava se reapresentar antes deste tempo. Eu nem dormia. Tiramos um raio-X e levamos na casa do médico, que era meu amigo. Ele olhou e disse que ele não ia tirar porque não estava totalmente recuperado: "Se vocês quiserem tirar, a responsabilidade é de vocês". O Welinton pediu para tirarmos. Aí fomos para o chuveiro de madrugada e tiramos com uma serra. Ele falou que estava bem, mas eu não acreditei muito não.
Fomos para o treino, e lá ele levou um tranco, caiu e se machucou mais. Acabei mentido e dizendo que ele tinha chegado machucado porque caiu de uma escada quando foi pegar uma pipa. Ele treinou muito mal, achei que iam mandar ele embora. Deram uma semana para ele se recuperar. "Quando ele voltar, se estiver bem, continua". Voltou sentindo dor... colocamos gelo, pomada, capim, arnica. Não podia colocar mais gesso. Fez um bom treino e federaram ele. Alojaram ele lá em São Conrado. Aquilo foi tudo para mim."
2 - Carona furada faz perder um jogo de final de campeonato
"Era uma decisão entre Flamengo e Vasco. Combinei com um amigo meu, que era flamenguista, de dar carona até o Vasco-Barra. O jogo era 11h e combinamos de sair 6h. Deu 7h e ele não apareceu. Fui até a casa dele, que estava dormindo porque tinha saído à noite no dia anterior. Ele levantou rápido e fomos voando, mas chegamos lá e já estavam na preleção. Aí veio um diretor e disse que “aqui não era bagunça". Não deixaram ele jogar. O Vasco ganhou por 1 a 0. Não sabíamos o que ia acontecer depois disso, mas no jogo da Gávea ele fez um gol e o Flamengo venceu. Deu um alívio. Tudo era na dificuldade."
3 - Abandonado na Mengolândia
"Teve uma vez que ele foi para a Mengolândia junto com um menino que morava aqui perto, só que o garoto passou mal e voltou antes. Ele me ligou umas 21h me dizendo que estava sozinho lá. Eu disse para ele tentar pegar alguma carona, carroça, o que fosse para sair de lá. Veio vindo e conseguiu chegar em casa. Tenho muito orgulho dele, e não é só porque joga bola. Nunca se meteu com porcaria nenhuma, consegui educar ele, apesar da minha pobreza."
4 - Primeiro adversário vencido: a bronquite
"Quando ainda era bem pequeno, foi jogar e soltaram uns sinalizadores de fumaça no estádio. Logo no início do jogo, ele passou mal e desmaiou. Parecia um passarinho mole caindo (risos). Depois que fez dez anos, nunca mais teve problema de bronquite."


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